A Rua do Volong separa a cidade velha de uma cidade um pouco menos velha. Da Calçada do Poço à Estrada do Cemitério temos, pela esquerda, um São Lázaro classificado – que um dia foi todo Volong, de outeiros e casas de pau – e, pela direita, uma Rua do Campo inclassificável.
De um lado, um conjunto de amarelo ovo deserto onde por vezes se ouvem, pelas seis, tocar avé-marias e há pouca gente de missais – é de espantar, mas eu bem as ouvi badalando de tarde ali um dia como se estivesse em aldeia de pinhais. E, do outro, as lambretas balindo a toque de fim de tarde, empurradas para o norte da cidade. E gente formigando nos passeios mínimos, coibindo-se de dar à mão, de abrir o chapéu, de parar e ver as montras, estreitadas entre os prédios e as cercas do curral.
Pois, a Rua do Volong ficou no meio e teve azar. Caiu fora do conjunto – classificado – e não foi abraçada como cidade nova – ou renovável. Tem trânsito, sim, mas não tem par com a Rua do Campo. Tem casas tão velhas – antigas – como as que se enfileiram por São Lázaro acima, sim, mas estas não têm a graça amarela de casinhas de bonecas de fachada (era salpicá-las de sardinheiras…).
Bom, o que ficou ali foi um fosso, um intervalo, a maior por tirar, uma sobra, um pedaço que não se sabe a quem há-de aproveitar. É uma ruína – há tantas –, uma daquelas coisas sem qualificação. E ai da Volong, coitada, porque é tão bonita de noite como de dia.
Mas tem muita serventia. Felizmente, é atalho. Para quem não quer andar na Rua do Campo, com as mãos metidas fundo nos bolsos para não ter de incomodar, e encolhendo os ombros às pingas dos ares, ali, sempre muito condicionados. Para quem quer ir direito ao centro, e de lá para cá novamente, a passo rápido e sem pisar calcanhares.
Por aqui, o que se vê é isto: um portal de quinta dimensão discretamente escondido num contentor do lixo; uma casa habitada por frascos de tinta – e em excesso de lotação; um morador zeloso do seu parqueamento exclusivo; uma prenda enxuta para o carteiro; alguém que se esqueceu da chave e teve de partir a janela. E a parede.
Maria Caetano