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A Lisboa dos Dead Combo também é mulata

Pedro Galinha

Em Outubro, Tó Trips e Pedro Gonçalves regressaram às edições discográficas com “Lisboa Mulata”. Um álbum cru, sem grandes arranjos, que oferece ao ouvinte uma viagem pela capital portuguesa que, hoje, tem tanto de popular como de mestiça.

Ao quinto disco, os Dead Combo decidiram que era tempo de mudar. No entanto, isso não significou que abandonassem as paisagens musicadas dos westerns que sempre evocaram a partir de Lisboa: a grande metrópole portuguesa que é também capital de uma identidade miscigenada cheia de um sem número de culturas, tons de pele, formas e cheiros.

É precisamente de tudo isto, e em especial da influência africana, que nasceu “Lisboa Mulata”. Um disco que, logo a abrir, remete o ouvinte para o universo lusófono do continente negro (a primeira faixa que dá título ao álbum e “Cachupa Man” são exemplos disso), mas não o faz esquecer a alma lusitana de que são feitos o guitarrista Tó Trips e o contrabaixista Pedro Gonçalves.

Juntos desde 2002, os dois músicos aproveitaram a edição do novo álbum, em boa parte desenvolvido com o recurso a uma guitarra mulata – modelo criado em Lisboa, na década de 50 do século XX, por um mestre de uma escola de guitarras –, para colaborarem com Marc Ribot. Um génio da guitarra que haviam homenageado em “Vol. 1” (o primeiro registo do grupo), e a quem atribuem grande influência ao nível da sonoridade e do processo de composição.

O resultado desta parceria é mais do que evidente, até porque quem escuta “Lisboa Mulata” percebe logo que o álbum tem o dedo do norte-americano que já trabalhou com nomes como Tom Waits, Elvis Costello ou John Zorn.

Aliás, apetece mesmo dizer que a guitarra de Ribot cai bem no caldeirão de sonoridades que os Dead Combo cozinharam em lume brando, qual cachupa. E dos temas em que participou há um que salta prontamente ao ouvido. Falamos nada mais, nada menos do que a vibrante e quase ébria “Marchinha do Santo António Descambado”, cujo final caótico é também marcado pleno de dissonâncias.

Além de Marc Ribot, os Dead Combo convidaram ainda Sérgio Godinho e Camané. O primeiro assina a letra de “Ouvi o Texto Muito ao Longe” que o segundo sussurra de forma sombria e somente falada.

Já Alexandre Frazão, baterista da Royal Orquestra das Caveiras que andou na estrada com os Dead Combo no último ano, juntou-se também à festa para marcar os ritmos de um disco que em palco, dizem os músicos, só contará com as presenças de Tó Trips e Pedro Gonçalves. Insuficiente? Não. E a prova disso é a belíssima “Esse Olhar que Era Só Teu”. Um fado sem palavra que as cordas do duo lisboeta conseguem fazer vibrar não só a audição, mas também o coração.

Em suma, parece certo que “Lisboa Mulata” dos Dead Combo arrisca-se a ser uma das melhores edições discográficas portuguesas de 2011. Uma façanha nada estranha à dupla que já conquistou, em Portugal, variados prémios musicais, entre eles o Álbum do Ano e o Álbum da Década.

 

Lisboa Mulata

Dead Combo, 2011

 

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